quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

UM CONTO DE NATAL


Todos nós sabemos como a figura do Papai Noel mexe com o imaginário infantil. Eventualmente pode ocorrer que o mesmo aconteça com pessoas cuja idade já não enquadra mais na condição de criança. Este é o caso de Dona Conceição que, embora cada uma de suas pernas já tenha há muito ultrapassado a maioridade, continuava a sonhar em conhecer o bom velhinho.
- O de verdade – repetia ela, inocentemente, a cada fim de ano.
Todo mês de dezembro Dona Conceição era atacada por um violento espírito natalino que a fazia distribuir diversas árvores de Natal pela APS, pendurar enfeites nos computadores dos colegas e ornamentar as paredes com guirlandas coloridas. Era também a única época do ano em que ela se tornava uma servidora dócil, meiga e gentil, para deleite dos segurados. Tal transformação emocional não passava despercebida pela chefia que se aproveitava de sua inusitada boa vontade, e a colocava para atender todos os agendamentos de LOAS, para a felicidade de todos os outros colegas. Qualquer inssano medianamente normal, entraria em desespero com tal condenação, mas o grau de inssanidade de Dona Conceição atingia o clímax no período pré-natalino. 
E qual não foi o seu espanto e felicidade, às vésperas do Natal, em atender pessoalmente o Papai Noel! Vinha o bom velhinho, com sua enorme barba branca, os tradicionais gorro e traje vermelho e uma enorme bengala, acompanhado de um “assessor previdenciário”, termo científico para designar o  popular catador de papel. Dona Conceição ficou tão encantada que chegou mesmo a se levantar e olhar para fora para ver se avistava o trenó com as renas. Felizmente seu delírio a poupou dessa infame miragem.
Quando Papai Noel sentou-se à frente de Dona Conceição, ela começou tremer de emoção.
-Ho Ho Ho – fez o Papai Noel e lhe ofereceu uma bala de papel colorido, que a servidora aceitou muito emocionada.
Enquanto esclarecia que Papai Noel não pudera trabalhar de carteira assinada porque esteve sempre a serviço das crianças, o  acompanhante entregou à servidora uma carteira de identidade de estrangeiro. Os seguintes dados ali estavam impressos: Papai Noel, filho de Vovó Noel, nascido na Noruega em 1812 e com data de chegada ao Brasil em 2013.
Não havia dúvida de que o clima setentrional mantinha a cútis em belíssima forma, pois o velhinho não aparentava ter mais do que quarenta anos.
- Mas, Papai Noel, o senhor não é naturalizado brasileiro! Então, não tem direito a LOAS. – lamentou-se Dona Conceição.
- Não, não – interveio o acompanhante – ele tem essa outra identidade aqui.
A  servidora analisou os dados do novo documento, este de cidadão brasileiro.
- Essa carteira aqui diz que o senhor só tem 43 anos, então só vai ter direito ao LOAS se for deficiente.
- Não, não – interrompeu novamente o catador de papel – essa identidade é minha, a dele é esta outra aqui.
- O senhor também se chama Papai Noel? – perguntou Dona Conceição para o acompanhante, intrigada e levemente desconfiada de que havia ali alguma coisa um tanto suspeita.
- Não, não, meu nome é Pedro Manoel, a senhora se enganou ao ler.
- Hum... – fez Dona Conceição recuperando um pouco da razão e desconfiança habituais.
- Papai Noel, preciso de sua certidão de nascimento. Ou o senhor é casado?
- Non, non, meu filha, eu ser solteiro. Sempre preferir os criancinhas – respondeu ambiguamente e com sotaque carregado o bom velhinho.
E enquanto negava, virava o rosto de um lado para o outro e, com esse movimento lateral, deslocava a imensa barba branca e deixava entrever uma rala barbicha escura.
Hum... – resmungou Dona Conceição que se lembrou que conhecia este rosto há muitos Natais, mais precisamente distribuindo balas à criancinhas que visitavam o shopping que ela costumeiramente frequentava.
- O senhor precisa apresentar também um comprovante de residência em seu nome.
- Eu non ter, non, eu morar num quartinho na terreno do casa desta senhor que me acompanha. – respondeu Papai Noel, mostrando estar já bastante aclimatado aos costumes nacionais.
- Bom – disse a servidora - vou abrir exigência para o senhor apresentar todos os documentos necessários...
- A senhora non está se comportando bem,  assim non vai ganhar presente nesta Natal. Palavra de Papai Noel... – reclamou o pobre velhinho.
Ao que respondeu Dona Conceição:

- E o senhor, se não se comportar bem e apresentar a documentação exigida, não vai ganhar LOAS nenhum. Palavra de Dona Conceição.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS - O CNIS MUTANTE

Muitos colegas já tiveram a oportunidade de observar a ausência de vínculos ou contribuições que antes estavam  no CNIS e que depois, misteriosa e inexplicavelmente, desapareceram, irritando, com razão, os segurados e deixando os servidores confusos. Não se trata, entretanto, de algum problema do sistema e, sim, ao contrário, de espetacular avanço no mundo da informática previdenciária.
A Dataprev está  dando mais um importante passo em seu criativo processo de evolução criando o CNISIV (CNIS de Informações Variáveis), programa interativo que substitui parte  das informações de um segurado para o NIT de outro, tanto as de cadastro como as de vínculos e contribuições. Esse movimento divertido ocorrerá de maneira cíclica e constante, renovando dados e ampliando a insanidade para além das áreas restritas dos servidores da brava instituição, espalhando-se também para os segurados, seguindo o  princípio da igualdade de direitos. Veja a seguir as vantagens e desvantagens do novo modelo.
O CNISIV comunicar-se-á com o Prisma independentemente da interferência do servidor, alterando o resultado da contagem de tempo das aposentadorias de acordo com as novas informações  vigentes e, se o segurado, sob novo cálculo, não obtiver o tempo suficiente requerido para a concessão do benefício concedido, o mesmo será suspenso sob a rubrica ‘suspenso pela auditoria do CNIS’. Caberá, então, ao servidor apenas a simples tarefa de explicar ao cidadão, com clareza e sem delongas, que o que era já não é mais e ele, compreensivamente, irá esperar pelo tempo em que o não é mais volte a ser e aí é quem vem a boa notícia: ao voltar a ser o que não mais é e que antes era, o CNIS poderá ser generoso, reativar o benefício, talvez até com um valor superior ao precedente.
Se, por acaso, nesse intercâmbio de dados, uma aposentadoria seja cessada por óbito do titular, as  chamadas “viúvas do CNIS”, poderão entrar com um pedido de pensão por morte presumida, isso caso  a requerente ou o requerente não tenha tido a própria vida ceifada numa das fases do rodízio do excelente sistema.
De acordo com o fraterno princípio da igualdade acima citado, o servidor também estará sujeito às benesses e contrariedades do sistema. Pode acontecer de ter o  registro de seu vinculo com o INSS sumariamente retirado do CNISIV, ter sua matrícula suspensa e ir para a cadeia acusado de fraude. Por outro lado, poderá ser beneficiado com um cargo de Ministro de Estado ou Senador da República, o que ampliará bastante os seus rendimentos colaborando para que ele faça um pé de meia para os vindouros dias de penúria, quando o programa lhe oferecer dados economicamente  pouco favoráveis.
Desta forma, o democrático sistema irá propiciar uma harmoniosa e rotativa distribuição de renda com real participação de toda a população ativa, repartindo a produção total de rendimentos entre todos os trabalhadores da nação, tal qual como um Robin Wood cibernético.
        O CNIS, continuará sendo prova plena, conforme o  artigo 47 da IN, embora não seja mais definitivo nem permanente. Suas informações peregrinas nunca deixarão de existir, mudarão apenas de lugar, sofrerão pequenas alterações de conteúdo, mas, de modo algum, discordante do princípio da conservação das massas, de Lavoisier; no CNISIV, como na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.


Conheçam o meu livrinho, conheçam o meu livrinho...rs
olhem o post aí embaixo com o endereço.... 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

UMA FAMÍLIA EM CRISE


Era uma vez uma família muito infeliz. Praticamente a totalidade dos filhos de papai Atendimento e mamãe Controle eram doentes ou inválidos. Os que nesta categoria não se enquadravam,  estavam, de certa forma, insatisfeitos, queriam ser eles também doentes, pois, caso contrário, seriam obrigados a trabalhar para financiar o sustento, não só dos irmãos, como também o dos pais, pois estes últimos estavam igualmente em precário estado de saúde. Era realmente uma lástima familiar.
Tanto o pai quanto a mãe eram muito possessivos e preocupados com a saúde dos rebentos e não gostavam que eles tivessem nenhuma independência. Queriam todos juntos de si, para amá-los e protegê-los.
Sempre que algum deles achava por bem mudar de casa tinha que pedir autorização paterna. A primeira providência de papai Atendimento era fingir que não era com ele e assim respondia ao pedido.
- Esse benefício não se encontra nesta base.
O que, em língua de gente, quer dizer: “Você não pertence a esta família”.
Essa simples frase já deixava o filho inseguro, soava como uma ameaça, algo como  ‘se você quer ir embora, vá, mas não conte mais conosco’. Era intimidante. Porém, mesmo assim, o filho, superando o trauma da rejeição, costumava insistir. Então papai confabulava com mamãe que ficava irritadíssima, perdia mesmo o senso do próprio nome, o que dizer que ficava completamente histérica e descontrolada. Era uma cena terrível de se ver. O filho entrava, então, em contato direto com a mãe  que não queria se comunicar. Ele insistia, atualizava o pedido, pedia perdão,  repetia a solicitação, ela ficava vermelha de raiva, criticava tudo e todos, fazia que se arrependia, o filho pensava que agora ela iria concordar com sua partida, mas outra vez ela se irritava, ele teimava e, só depois de horas de muita aflição, enfim, o rapaz ou a moça era liberado.
      Certas doenças tendem a piorar com a idade, e podemos afirmar que, após tantos anos de luta para manter a família unida e saudável, o Sr. e a Sra. Sabi estão completamente combalidos e esclerosados. O que um fala, o outro não entende. Quando um desperta, o outro adormece, isso quando não ocorre de os dois passarem o dia inteiro em total letargia. E as demandas filiais a cada dia se tornam mais difíceis de ser atendidas. 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

              O PROCESSO REVOLTADO



Era uma vez um processo de aposentadoria por tempo de contribuição que tinha uma enorme autoestima e, embora nenhum de seus  PPPs tivesse sido enquadrado pela análise médica, ele lutava por ser reconhecido como especial. Ele não era de se entregar facilmente e mesmo tendo sido indeferido por falta de tempo de contribuição, lutava por seus direitos. E a cada tentativa, ganhava mais algumas páginas, todas elas numeradas e rubricadas, que o tornava cada vez orgulhoso.
É de conhecimento geral que os processos têm variáveis graus de personalidade. A maioria deles, entretanto, é tranquila, acata pacificamente a sua sorte e adormece em qualquer gaveta de arquivo sem criar problema para os companheiros nem para os servidores. Sabemos também que existem aqueles rebeldes, que não aceitam ouvir um não em resposta à suas demandas e que se sentem superiores aos outros processos. Este era o caso do nosso exemplo, o processo --- --- 999-9.
Ele era viajado, já tinha ido para a cidade grande, passara lá três meses  entre outros rechonchudos e experientes processos. E, ainda que tenha sido inútil a viagem, pois o parecer desfavorável de Junta de Recursos o mantinha  indeferido, ganhara no intento mais algumas páginas.
Já na viagem de volta, em pleno malote, entrou em atrito com um processo magricelo e tagarela que estava muito satisfeito porque ia ser concedido. Era um insignificante salário maternidade de poucas páginas, de tempo limitado e sem muitas pretensões e esse vangloriar verborrágico deixou 999.9 tão irritado que ele lhe deu um empurrão tão forte que lhe rasgou a capa.
- Covarde!  Em mulher não se bate! – gritou uma pensão por morte, muito exaltada.
Um auxilio reclusão com cara de poucos amigos e que parecia querer apenas um motivo para procurar briga, partiu para cima da aposentadoria agressora e quase lhe arrancou um colchete. A turma do deixa disso se aproximou e tranquilizou o ambiente. Porém, já em casa, quando todos estavam na caixa à espera de seu novo destino, 999-9 saltou para fora, com certa dificuldade porque estava um tanto gordo,  saltitou até o arquivo e entrou numa gaveta  onde os colegas aguardavam processamento. Lá não deixou ninguém dormir, ficou falando de suas experiências extra-municipais e cheio de vaidade anunciou que ia agora para Brasília, porque tinha se tornado muito importante, quando, na verdade, ia era tentar um último recurso junto à CAJ.
E falava com tal persuasão que todos ficaram admirados com a pseudo trajetória  vitoriosa de um amigo de gaveta. Nunca antes nenhum deles havia saído da APS, tampouco sido indeferido, mas isso era mero detalhe.
Na manhã seguinte, quando Dona Conceição foi organizar os processos viu que faltava um e pediu a um estagiário para procurá-lo. O pobre do rapaz revirou toda a agência até encontrar o fujão em local totalmente inapropriado e o levou para a mesa onde se acumulavam seus desafetos da Junta de Recursos onde ele aprontou outros tantos rebuliços até que seguiu viagem para Brasília onde passou seis penosos meses entre outros processos igualmente revoltados. Quando retornou estava abatido, infeliz e, ainda, indeferido, porém, não conformado e decidido a procurar a ajuda dos meios judiciais.



sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O CASAMENTO DE HISCRE


Era uma vez uma senhorita chamada HISCRE que tinha uma união que já durava há mais de dois anos com o Dr. SABI.  Era um 31* estável que, ao gosto da moça, deveria sem demora evoluir para os laços matrimoniais de um 32* e para isso se empenhava ela. Afinal, tinham créditos em comum. E não eram poucos ao longo de todo esse tempo; a cada mês mais um fruto vingava e a família crescia. E a cada mês a cobrança de um casamento aumentava também.
Entretanto, o Dr. SABI não via com bons olhos o interesse crescente da companheira em abrigar-se em definitivo sob a sua tutela pecuniária. Tampouco aceitava que os persistentes males da coluna não tivessem uma cura, sequer uma melhora, após tantos tratamentos.
Para escapar de situação constrangedora a que vinha sendo submetido, procurou uma saída digna e correta, embora pouco benevolente.  A fim de revisar seu anterior julgamento passou a observar com um olhar clínico rigoroso a casadoira paciente; deteve-se em sua indumentária e concluiu que muitas das dores seriam sanadas se ela descesse do seu equilíbrio precário resultante de quinze centímetros de salto e alcançasse o chão com os próprios pés; que se reduzisse os dez quilos de bugigangas femininas que trazia na bolsa muito amenizaria sua escoliose e que,  por fim,  se aumentasse em cinquenta por cento o resquício de tecido que a envolvia, não teria ela a necessidade de se equilibrar dentro de tão pouco pano a fim de tentar não expor o que exposto invariavelmente estava. O conforto lhe devolveria a saúde.
E assim, após muito analisar prudencialmente a situação com um rigor de ministro de STF, certo  da retidão de seus princípios, com formulação de tese detalhada e adequada ao espirito da lei, para espanto e horror de HISCRE, indeferiu o seu  pedido de prorrogação.
Houve choradeira e ameaças, mas o Dr. SABI permaneceu impassível e não teve recurso que devolvesse a HISCRE os créditos suspensos. E nem cabiam embargos infringentes – uma total injustiça!
Após essas infrutíferas tentativas de reconciliação, a senhorita HISCRE viu-se sem noivo e sem centavo. Não sabia o que fazer. Aliás, sabia, mas não lhe agradava o fato de ter de trabalhar para manter-se. Era tão jovem e bonita, não lhe parecia justo ter de gastar tais predicados atrás de um balcão de loja ou mesa de escritório.
E saiu em busca de um novo pretendente. Para tanto, elevou a altura dos saltos, aumentou o peso da bolsa e diminuiu ainda mais o tamanho das roupas. Entrementes, para seu infortúnio, depois de um tropeção seguido de solavanco, envergou de vez. Tanto que não conseguia se aprumar nem de chinelos e pijama. Teve de recorrer novamente ao Tio INSS, porém, não tinha mais qualidade de segurado e o Dr. SABI não quis mais assunto com ela.  Entretanto o generoso Dr. SIBE dela se apiedou, depois se enamorou e ambos se uniram na harmoniosa e definitiva aliança de um 87* e foram felizes para sempre.


                       
31 auxilio doença
32 aposentadoria por invalidez
                   87 benefício assistencial ao deficiente
                  

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

UMA TRAGÉDIA NO PLENUS

Era uma vez um bem sucedido INFBEN, vaidoso de seu valor elevado, beirando o teto. Orgulhoso, não gostava de se relacionar com seus semelhantes pobres, que representavam o salário mínimo e só procurava amigos entre os de mais alto padrão. Tinha o nariz empinado, diziam seus vizinhos no PLENUS. Era tão altivo que nem olhava para os lados, mas guardava uma certa mágoa por não ter atingido o teto máximo.
Mamãe PRISMA dizia:
- Mas ninguém nunca chega a tanto, meu filho.
- Queria muito, mamãe, dar-lhe este motivo de orgulho. – respondia ele com sua vozinha fina.
Papai CNIS, desviando os olhos do jornal, um dia considerou:
- Peça uma revisão; não tem ainda dez anos.
E assim fez INFBEN.
Um dia, enquanto ainda aguardava a resposta de seu requerimento, sentiu uma pontada nos créditos e, desde então,  não gerou mais nenhum HISCRE.
Preocupado, procurou um especialista.
- Com a saúde não se brinca – pensou.
Dr. MOB examinou-o meticulosamente, tirou radiografias, solicitou exames e, ao fim de tudo, diagnosticou.
- O senhor sofre de suspensão.
- Suspensão, doutor? – perguntou o paciente sem compreender de que se tratava a sua doença.
- É. O senhor foi suspenso pela auditoria.
- E é grave isso doutor?
- No seu caso trata-se de um mal hereditário muito sério.
- Oh! Oh! – lamentou-se o doente.
O Doutor MOB receitou repouso e tranquilidade para aguardar o desenrolar dos fatos.
INFBEN voltou para casa abatido e foi logo chorar no ombro da mãe.
- Mamãe, como isso pôde me acontecer? Você e o papai são tão saudáveis, como pude nascer assim tão doente?
Foi  então que Dona PRISMA resolveu contar um segredo familiar até então muito bem guardado.
- Papai CNIS não é seu pai verdadeiro. Seu pai... seu pai era um NIT indeterminado. Um bastardo que herdou uma fortuna, porém não um nome. Enquanto seu pai tinha um nome e não tinha dinheiro algum. Sim, foi uma relação promíscua, devo confessar, mas papai o ama como a um filho.
- Oh! Oh! – gemeu o benefício suspenso – Sou o fruto de uma fraude! Um benefício de proveta!
             A revelação lhe fez tão mal que nunca mais se recuperou. Entrou em depressão, deixou de se alimentar, trancou-se no quarto a chorar até que um dia, amanheceu cessado. 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS - O CONTRACHEQUE


No capítulo de hoje nós vamos falar sobre um assunto que muito angustia os servidores da nobre Instituição, mormente a polêmica do possível fim da insalubridade de  quem ainda a recebe. É importante frisar que o término desse benefício não visa a uma economia para os cofres públicos, mas tem  uma finalidade psicológica de amplo espectro. O objetivo é evitar servidor sinta-se trabalhando em um ambiente pouco saudável e que possa adquirir alguma ziquizira a qualquer momento. Essa situação de insegurança psicológica tem o poder de realmente materializar-se em alguma doença e afastar o trabalhador de suas atividades ou, mesmo se mantendo aquartelada em seu ambiente mental, pode gerar temores vãos nada edificantes, atitudes compulsivas de desinfecção das mãos e outros mais desconfortos que façam com que o servidor perca tempo de trabalho em higienes desnecessárias e, em desdobramento, achar que o segurado possa lhe transmitir alguma espécie de mal gerando algum tipo de preconceito com relação às mazelas apresentadas pelo cliente. Portanto o que está aqui em jogo não é o valor da insalubridade, mas, sim, a sua necessária e completa exclusão do local de trabalho; removendo o adicional monetário, excluem-se também suas causas e seus efeitos.
Outro ponto em permanente discussão é quanto ao auxílio alimentação, também conhecido como vale-coxinha-sem-catupiry, para o qual se deseja equiparação com os valores percebidos pelos servidores do Judiciário e do Legislativo, com a mera alegação de que temos o direito de comer tanto quanto eles. Injusta reinvindicação, pois  é  visando a saúde do trabalhador, que deve se manter fino e elegante, em espartano regime,  os homens, com barriga de tanquinho e as mulheres,  com cinturinha de vespa,  que fomos agraciados com tão diminuto e econômico adicional alimentício. Afinal, coxinhas de galinha, sejam elas com ou sem catupiry, e outros mais acepipes calóricos, engordam e deformam a silhueta. A boa notícia que temos a dar é que  o servidor que estiver com uns quilinhos sobrando verá minguar ainda mais o seu econômico vale-alimentação a fim de se adequar à tabela de massa corporal ideal elaborada por nutricionistas especialmente contratados.
Também por motivo de saúde deverá ser excluído o auxílio-transporte para que o servidor possa iniciar e finalizar o seu dia com aprazíveis caminhadas ou longas pedaladas, resultando em abdômen definido, gordura zero e taxa de serotonina nas alturas. Todos esses cuidados, minuciosamente arquitetados pelo plano superior, gerarão enriquecimento da qualidade de vida dos servidores. Da mesma forma, com a saúde perfeita, não será necessário o recebimento dos valores da rubrica  saúde complementar pois ninguém mais vai precisar ter um plano de saúde ainda mais agora que o SUS encontra-se abastecido de médicos importados de notório saber e inquestionável  capacidade.
Outra questão muito importante é incorporação da GDASS ao vencimento básico. Vejamos um desdobramento nefasto que isso poderia ocasionar: o aumento absurdo da GAE que corresponde a 160% do valor salário base. Para atender ao desejo do servidor e contornar a dificuldade esta última gratificação sofrerá uma alteração de nomenclatura  e passará a se chamar Garantia Adicional de Estabilidade e mudará da coluna de créditos para a de débitos. Explica-se a vantagem desta aparente discrepância: o servidor passará a gozar de uma estabilidade inalienável, ou seja, mesmo que queira não poderá se livrar deste excepcional benefício; não será exonerado nem a pedido, estará vinculado ao INSS até a aposentadoria compulsória, aos 85 anos de idade.
            E agora, com um contracheque higienizado e enxuto, onde os débitos se sobrepõem aos créditos, deverá o servidor utilizar-se do exemplo de desapego altruísta dos médicos cubanos e ficar muito satisfeito com as mudanças ocorridas. Afinal, em meio a tanta gente desempregada por aí, você que tem um empregão estável como este, ainda vai querer salário?

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

INSSaNews

DICAS E CONSELHOS DE DONA CONCEIÇÃO

        

Meus amiguinhos, hoje eu vou dar umas dicas e receitar para vocês alguns remedinhos para diminuir a carga de trabalho e aliviar o estresse.
        Todos nós sabemos que não adianta falar com o chefe que não você não foi talhado para a sublime ocupação que é o atendimento ao público.  Gerentes costumam ser muito solidários com nossas dificuldades, lamentam nossa sorte, porém, nunca se sentem na condição de alterá-la dando, em troca de nossas solicitações de remoção  e lamentos, inúteis sorrisos complacentes.
        Também é de conhecimento geral que não podemos nem devemos tratar mal um segurado, precisamos ser sempre gentis e polidos ainda que a recíproca não seja equivalente.
        Igualmente, não há a possibilidade de restringir o número de atendimentos de uma agência, dificultar a entrada de pessoas, solicitar silencio ou esperar ser respeitado pela integridade dos segurados. Uma APS, como todos sabem, é a casa da mãe Joana, onde todos, menos os servidores, fazem o que bem entendem.
        E quanto mais se atende mais se sujeita à irritação e ao cansaço e, portanto, devemos buscar por nós mesmos soluções para nossos problemas cotidianos.
         Vou apresentar aqui três alternativas, por assim dizer, orgânicas para nos livrar do atendimento não por nosso interesse ou por demonstração de má vontade ou de falta de educação com relação ao segurado, mas por iniciativa do mesmo.
         Por apenas R$ 99,99 você pode adquirir um par de Luvas Verrugosas de minha fabricação. São luvas extra suaves, de agradável contato e invisível aparência, onde sobressaem grandes, avermelhadas e peludas verrugas, dando um aspecto bastante repulsivo e evitando aquele aperto de mão muito comum a certos ‘devogados’ que lhe perguntam o nome e lhe tomam a mão a fim de estreitar os laços de amizade que não possuem nem nunca possuirão com você. Os modelos femininos são acompanhados de um kit de unhas pintadas em cores modernas para dar um ar asqueroso fashion à sua nova aparência. E não é só isso, na compra de dois pares das Luvas Verrugosas você leva, inteiramente grátis, adesivos verrugosos para o nariz e o queixo. Esse item é muito importante também porque mexe com o  imaginário infantil não só das crianças mas também dos adultos pois o remete às histórias de bruxa que o aterrorizam na infância. E assim que o segurado, com experiência anterior, ver que foi chamado, por renovação de um azar,  por sua mesa, vai disfarçar, fingir que não é com ele, dar uma voltinha, pedir  outra senha e torcer para que não novamente chamado por você.
        Para servidores arrojados, Tia Conceição indica a Simulação Vomitória que consiste em, como bem explicita o termo, expelir substâncias alimentares na presença de algum segurado. Funciona assim: o colega deve ter junto a si um copo com sopa que  será levada à boca, discretamente, no momento da aproximação de sua vítima (escolha o “consultor previdenciário” de sua preferência) e quando ela se aproximar, puááááá, vomite tudo sobre a mesa ou, em atitude ainda mais temerária, sobre a própria pessoa. Indicamos o uso da sopa Minestrone por conter pedaços de legumes e macarrão que darão um aspecto bastante indigesto, para o caso de o cliente ter curiosidade de admirar o resultado de seu esforço. Sopa creme de cebola, com aqueles pedacinhos da erva bulbosa, costumam ter também um ar bastante autêntico. Depois o servidor poderá ainda se aproveitar desse seu mal-estar e tirar um ou dois dias de licença para tratamento de sua saúde estomacal.
            Outro meio muito eficaz de afastar segurados e, por conseguinte, livrar-se do atendimento por desistência do próprio é o uso dos Tabletes Arrotivos Dona Conceição. Nossos tabletes, feitos com matéria prima importada, provocam gases pútridos que, expelidos, exalam um ar nauseabundo, em cuja área de atuação abre uma clareira na agência lotada, deixando lugares vagos onde ninguém mais há de querer sentar. Imagine, então, aproximar-se da mesa exalante. Cada arroto garante uma sequência de quinze senhas ‘não compareceu’. Um método infalível de esvaziar a APS. O único efeito colateral é que o servidor usuário e seus colegas da vizinhança também serão atingidos pelo aroma asfixiante, mas não deixa de ser um pequeno incômodo que evita outro maior. Os Tabletes Arrotivos são oferecidos em três exclusivas fragrâncias: carniça, esgoto e chorume. Peça já o seu.           



sexta-feira, 2 de agosto de 2013

INSSaNews
Entrevista Exclusiva com o novo Ministro


O INSSaNews tem a grata satisfação de entrevistar em primeira mão o ocupante do mais  recente ministério criado para resolver os problemas nacionais. O norte-coreano Nu Sen Sunga, importado especialmente para ocupar o cargo de Ministro de Importação de Recursos Humanos, através de seu intérprete iraniano, gentilmente respondeu aos questionamentos deste jornal.
INSSaNews: Quanto à vinda dos médicos cubanos para atuarem no Brasil, o senhor não teme que eles, quem têm em seus cursos de medicina mais aulas teóricas do que práticas, não estejam suficientemente preparados para o trabalho aqui no país?
Nu Sen Sunga: Os médicos não precisam estar preparados; quem tem que se preparar é o povo...
INSSaNews: É verdade que os médicos cubanos irão atuar também como peritos do INSS?
Nu Sen Sunga: Vão substituir todos eles... Esse bando de gente má que nega benefício só porque paralítico anda e cego enxerga.
INSSaNews: Então esse tipo de artifício não é inadmissível?
Nu Sen Sunga: Devemos sempre avaliar o contexto da situação; ninguém pede um benefício sem ter necessidade dele, mesmo que essa necessidade não seja explicitada de modo ortodoxo. Às vezes o segurado tem trabalhado muito e necessita de um descanso extra, outras vezes sofre de preguiça crônica, males estes que não devem ser desprezados, como frequentemente acontece.
INSSaNews: Compreendo... Mas, o que farão os peritos desalojados do seu cargo?
O Ministro Nu Sen Sunga


Nu Sen Sunga: Revalidarão seus diplomas após um extenso curso de espanhol. De agora em diante, todas as consultas médicas deverão ser feitas na língua de Fidel.
INSSaNews: Não seria mais fácil o contrário, que os cubanos, estando em minoria, aprendessem o português?
Nu Sen Sunga: De modo algum. Não admitiremos discriminação idiomática de espécie alguma.
INSSaNews: O senhor não teme que a barreira linguística assuste a clientela que poderá deixar de procurar ajuda médica com temor de não conseguir se fazer entender nem de compreender o que lhe for dito?
Nu Sen Sunga: O importante é darmos conta da demanda; se ela diminuir, tanto melhor.
INSSaNews:  Além da saúde que outras áreas  poderão se beneficiar da importação de recursos humanos?
Nu Sen Sunga: Iremos importar dez mil professores primários vanuatenses
a fim de incrementar o “Programa Segunda Língua”, já que as crianças brasileiras, ainda não se descobriu o porquê, têm dificuldade de ser alfabetizadas. E achamos de extrema importância dar uma alternativa idiomática relevante e de fácil aprendizagem como o ensino do bislama.
Com relação aos transportes, iremos importar três milhões de condutores de riquixá indianos. É o melhor meio de transporte para as cidades grandes, não poluente, muscularmente saudável, muito eficiente e reconhecidamente  econômico.
INSSaNews: O senhor poderia resumir, em uma frase, a importância de sua pasta?
Nu Sen Sunga: “Importar é o que importa; não importa o quê nem para  quê”.


sexta-feira, 26 de julho de 2013



    GRUPO  INSSena
                  APRESENTA

    Se colar, colou*

Uma tragicomédia  em três atos

Personagens:
Perito Novato
Perito Veterano
Três segurados
                                    Local: Um consultório pericial

Primeiro ato:
Entra a segurada
Novato: Bom dia, Dona Maria.
Dona Maria senta-se sem dizer palavra e entrega o laudo ao médico.
Novato (lendo o laudo com cara de estranhamento): Zoreia, ove... (dirigindo-se ao perito veterano): Não estou entendendo o que está escrito aqui... Os cubanos já estão em ação?
Veterano (pegando o laudo, lendo e rindo): hehehe aqui diz que a segurada é surda das duas orelhas e, por isso, não ouve nada. (para a segurada): A senhora não ouve nadinha?
Dona Maria: Não ovo nada...
Veterano: É surda das duas orelhas?
Dona Maria: Das duas.
Veterano: Felizmente, dos ouvidos a senhora vai bem...
Dona Maria: Mas só de perto; de longe não enxergo nada.

Segundo ato:
Entra o segurado mancando e gemendo.
Novato: Bom dia, Seu Pedro.
Seu Pedro: Bom dia, nada. Tô todo operado (levanta a camisa para exibir um risco azul, que vai do peito ao umbigo e outro transversal a ele, igualmente comprido).
Novato: Mas o que é isso, Seu Pedro?
Veterano (em voz baixa): Esferográfica.
Seu Pedro: Cicatriz, ora.
Novato: Azul?
Veterano: Ele deve ter sangue real.
Novato (para o segurado): Mas me diga, Seu Pedro, o porquê duas incisões tão longas? Isso foi cirurgia ou haraquiri?
Seu Pedro: Nem sei o que foi, mas dói muito (tosse levando a mão ao peito)
Veterano (umedecendo um algodão com álcool): Temos um excelente remédio para isso, é só passar sobre a cicatriz que ela some e a dor passa. Vamos experimentar?
Seu Pedro: Não, vai arder muito, deixa assim mesmo. Já estou me sentindo melhor (sai tossindo e mancando).

Terceiro ato
Entra o segurado de muletas com uma perna envolta em ataduras.
Novato: Bom dia, Seu João, o que o senhor arranjou na perna?
Seu João (desatando, com cuidado, as ataduras): É um machucado que não cura. (A falsa ferida ameaça desprender-se da perna e o segurado a pressiona para retê-la).
Novato (percebendo o subterfúgio): Epa! O quê que é isso?
Veterano: Alcatra ou contrafilé, mas, pelo cheiro, já não está própria para o consumo.

Seu João (ajeitando o bife) : Começou com uma feridinha de nada, aí foi crescendo, crescendo, daí não posso trabalhar mais. E dói tanto, meu filho. Nem consigo andar.
Veterano (exibindo um serrote enferrujado): Vamos resolver isso agora mesmo.
Seu João (arregalando os olhos): O senhor tá é maluco...
Veterano (levantando-se): Nem vai doer, Seu João; do jeito que isso aí tá podre o senhor não vai sentir nada.
Seu João: Tá é doido (sai correndo, largando as muletas para trás).
Veterano para Novato: Isso é que para que você conheça a importância do nosso ofício. Só hoje já curamos uma ferida crônica, aliviamos as dores de um recém-operado e fizemos uma surda ouvir. São os milagres da cura pericial.

*Baseado, por incrível que pareça, em histórias reais. (Nota do autor)




















sexta-feira, 5 de julho de 2013

Edição Extra

INSSaNews

Protesto contra o SIBE

Trinta mil servidores do INSS se reuniram ontem para protestar contra o mau funcionamento do sistema SIBE que, após dez anos de elaboração e exaustivos ajustes, ainda não logrou funcionar a contento. “Parece um velho rabugento, emitindo sem parar críticas sem motivo”, declarou um dos manifestantes.
 Outro insatisfeito reclamou: "Como se não bastasse ter que habilitar LOAS, ainda temos que usar o SIBE... É muita desgraça para uma pessoa só."



O revoltosos exibiam cartazes e gritavam palavras de ordem contra vários sistemas da Dataprev e do INSS, e reclamavam o da precoce e compulsória aposentadoria do Recben em função do súbito advento do e-recursos. "Essa competição entre instituições para ver quem cria o programa mais chato vai nos levar à loucura", repetia sem parar um inssano.

Em meio à balbúrdia não faltaram os saudosistas que pediam o retorno de sistemas antigos como, por exemplo, o bom e velho CADPF, onde um acerto de atividade era feito em menos de dois minutos, enquanto que, pelo sistema atual, entre idas e vindas em dezenas de telas, leva-se, em média, cinquenta minutos no processo. Isso quando o CNISPF não desanda e mistura as informações, dá críticas, avisos falsos, zomba e ri do servidor. 


Não faltaram também declarações de amor à Dona Conceição que, por sinal, foi flagrada em plena atividade revolucionária como mostra a foto ao lado. Ela é aquela ali do meio. Ou será que é a da esquerda? Pode mesmo ser que seja a da direita. Bom, de qualquer modo, estava lá demonstrando seu pouco apreço pelo malfadado sistema.



Teve de tudo na marcha dos descontentes, inclusive cartazes de repúdio a benefícios não previdenciários. Nossos repórteres chegaram até a flagrar um discreto anúncio deste hebdomadário que, garantimos, não foi propaganda paga e sim, a expressão sincera de um leitor assíduo. 
Este ato gerou grande repercussão e causou transtornos e mal-entendidos entre os sistemas e mesmo no SGA os pinguins os  representativos dos segurados abandonaram sua pacata e impassível  postura e desentenderam , tumultuando o atendimento, como se pode ver nas imagens abaixo.



                        

quinta-feira, 20 de junho de 2013




Grupo INSSena
                             apresenta


      Um LOAS com Dona
                Conceição

                                    TRAGICOMÉDIA EM UM ATO

Personagens:
Catipapi, catadora de papel, perdão, consultora previdenciária.
Emengarda, a requerente
Dona Conceição, que dispensa apresentação.

 Dona Conceição (pensando alto ao ver a senha que chamou) : Titica, um LOAS!
Emengarda e Catipapi vêm se aproximando, a segunda empurrando a cadeira de rodas da primeira que, além de tudo, carrega uma bengala. Essa estranha conjunção de elementos excludentes diante do olho clínico de Dona Conceição a faz erguer a sobrancelha esquerda em sinal de suspeição.
Dona Conceição: Bom dia, Dona Emengarda, a senhora veio dar entrada no LOAS?

Catipapi: Ela veio. Tá aqui o formulário. Nós gostaríamos também de cadastrar uma procuração para eu receber por ela.

Dona Conceição: Isso só depois que o benefício for concedido. E vai precisar também de uma declaração do médico dizendo que ela está lúcida e com dificuldade de locomoção.

Catipapi: Ah, ela tem muita dificuldade.

Dona Conceição: Não duvido. Precisa até de bengala para andar de cadeira de rodas. Dona Emengarda, me empreste sua identidade e CPF.

Catipapi: Dá a identidade e o CPF pra moça.

Dona Conceição (olhando o formulário de grupo familiar): A senhora mora sozinha?

Catipapi: Ela mora, coitadinha. Por isso é que eu estou ajudando. Não vou cobrar nada por isso.

Dona Conceição (levemente irônica): A senhora tem um coração de ouro.

Catipapi (reforçando a boa imagem): Faço o que posso; estou sempre ajudando os mais necessitados.

Dona Conceição: Sei... Bem, Dona Emengarda, preciso de sua certidão de nascimento.

Catipapi: Dá a certidão pra moça. (para Dona Conceição): Ela é casada, mas está separada do marido há mais de 30 anos. Ele foi embora e largou a coitadinha sozinha. Tá aqui a declaração de que ela não sabe o paradeiro dele.

Dona Emengarda  entrega a certidão e permanece quase em silêncio, o único som que emite é o estalar contínuo dos lábios, como se estivesse ruminando a língua.

Dona Conceição: Agora preciso do comprovante de residência.

Catipapi: Ah, a coitadinha não tem. Ela mora por favor num quartinho emprestado.

Dona Conceição: Casa de parente?

Catipapi: Não! É gente que ela nem a conhece. Só ficaram com pena dela e a deixaram morar lá.

Dona Conceição (irônica): O povo brasileiro é um exemplo de altruísmo. A senhora sabe, Dona Catipapi, que quase todo mundo que vem dar entrada no LOAS mora num quartinho emprestado por pessoas que mal conhecem? Mas, de qualquer maneira, vou precisar da conta de luz do dono do terreno que cedeu o cômodo.

Catipapi: Ela não tem, a pobrezinha.

Dona Emengarda (abandonando o silêncio com uma vozinha fraca e rouca): Conta de luz?

Dona Conceição: É.

Catipapi: Ela não tem.

Dona Emengarda: Tenho, sim. (tirando da bolsa): tenho  esta, ó, tenho esta, tenho esta...

Catipapi: Não, não precisa mostrar todas. A moça só precisa de uma.

Dona Conceição (desconfiada): Não, eu  faço questão de ver todas... (se apressa em recolhê-las a medida que são postas na mesa )

Dona Emengarda: Tenho esta, tenho esta, tenho esta... acho que é só...

Dona Conceição: Hum... está aqui está no nome do marido da senhora...

Dona Emengarda: O Boanerges...

Dona Conceição: e esta aqui, e esta, e esta, e esta e esta. Todas no nome do Seu Boanerges, mas com endereços diferentes.

Catipapi (fazendo cara de espanto): Mesmo?

Dona Conceição: Mesmo. Dona Emengarda, o Seu Boanerges tem seis casas?

Dona Emengarda: Temos oito, mas eu só trouxe conta de luz de seis. Não sei onde pus as outras.

Dona Conceição: Então a senhora mora com o Seu Boanerges?

Dona Emengarda: Há mais de 60 anos que eu aguento aquele velho rabugento, minha filha. Desde que se aposentou não sai mais de casa. Um traste!

Catipapi (gaguejando): A senhora não disse que ele tinha ido embora?

Dona Emengarda: Eu?

Catipapi: A senhora disse que não sabia onde ele se encontrava.

Dona Emengarda: Que isso! Ele me avisa até quando vai ao banheiro.

Catipapi (girando o indicador em torno da orelha para demonstrar que a sua cliente não ia bem das ideias).

Dona Emengarda (vendo o gesto): Eu não estou gagá!

Catipapi: Não, Dona Emengarda, eu só estava limpando o ouvido, me deu uma coceira repentina.

Dona Emengarda (dando um golpe com a bengala na catadora de pa, digo, consultora previdenciária) Não me trate como se eu fosse uma velha coroca!

Catipapi: Ai, ai, para! Isso dói!
.
Dona Emengarda  (levantando-se): E vai doer muito mais. (correndo atrás de Catipapi e lhe dando umas bengaladas): Me tirou de casa à toa, me fez andar de cadeira de rodas e ainda diz que sou uma velha gagá. Bem que a Mariinha me disse que você só quer se aproveitar da boa vontade dos outros. E toma outra!

Catipapi (correndo e tentando proteger a cabeça com as mãos): Ai, ai, para, para!


Dona Conceição (segurando o riso): Hum, que interessante...  Não é que estou começando a gostar de LOAS?